Atuação fisioterapêutica em pós-operatório de troca valvar aórtica
A endocardite infecciosa (EI) é definida como um processo inflamatório do endocárdio valvar ou mural, sobre um defeito septal, ou sobre as cordas tendíneas, como resultado de uma infecção bacteriana, viral, fúngica, ou por micobactérias e rickéttsias (PEREIRA et al., 2003). Na era pré-antibiótica, a EI determinava a morte de praticamente todos os pacientes acometidos. Ao longo do tempo, alguns fatos mudaram a história natural desta doença: a evolução de técnicas microbiológicas, o desenvolvimento da antibioticoterapia e da cirurgia cardíaca e, mais recentemente, do ecocardiograma. Todavia, ainda hoje, a letalidade por EI é alta, variando de 13 a 40% (COSTA et al., 2007).
O sucesso terapêutico depende de diagnóstico precoce e preciso. Desta forma, os critérios para diagnóstico da EI mais aceitos atualmente foram descritos por Duke nos quais os dois principais são hemoculturas múltiplas positivas para germes típicos e evidência, ao ecocardiograma, de lesões miocárdicas e/ou vegetações em válvulas cardíacas, abcessos intramiocárdios ou deiscência parcial recente de uma valva protética (PEREIRA et al., 2003).
Todo esse desenvolvimento possibilita resultados cada vez melhores, mas, ainda assim, grande número de pacientes necessita de tratamento cirúrgico (ARNONI et al., 2000). BUENO et al. (1997) acrescentam que as valvopatias são causas mais freqüentes de indicação de procedimento cirúrgicos em cardiopatas.
A cirurgia cardíaca com circulação extracorpórea (CEC) determina alterações sistêmicas que demandam cuidados específicos no pós-operatório. Dentre essas alterações sistêmicas destacam-se as de origem pulmonar e as decorrentes de diversos fatores - tempo de CEC, uso de anestésicos, dor pós- operatória, medo, presença de fatores de risco, entre outros (NARDI et al., 2007). As complicações pulmonares ocorrem em até 60% dos pacientes que se submetem à cirurgia cardíaca, torácica ou do abdome superior. Pollak et al. (2008) afirmam, ainda, que muitos pacientes cardiopatas submetidos à cirurgia perdem força muscular e confiança para realizar atividades associadas à vida diária. Sendo assim, defende-se que a fisioterapia previne e trata das complicações pulmonares advindas no pós-operatório de cirurgia cardíaca (NARDI et al., 2007), dentro de um programa de reabilitação cardíaca.
Desta forma, o objetivo principal do presente estudo é descrever o caso de tratamento fisioterapêutico em pós-operatório de troca valvar aórtica por EI.
Relato do caso
Sujeito do sexo feminino, 24 anos, caucasiana, procedente de São José/SC, pós-operatório de troca valvar aórtica. Início do quadro com febre e vômitos. Paciente apresentou as reconhecidas alterações clínico-laboratoriais de processos infecciosos (Staphylococcus aureus positivo) peculiares à EI, acompanhada de perfuração dos dois folhetos da valva aórtica e abcesso ao ecocardiograma. Para tratamento da insuficiência aórtica severa desencadeada pela EI foi realizada cirurgia de troca valvar (BP23). Durante o trans-operatório, a paciente recebeu anestesia geral, manteve CEC por quase 1 h e hipotermia de 28ºC, a incisão cirúrgica foi esternotomia mediana longitudinal. Durante a fase pós-operatória imediata permaneceu na Unidade de Terapia Intensiva coronariana, sedada, com intubação orotraqueal e ventilação mecânica. Após desmame, foi transferida para Enfermaria. Encontrava-se bom estado geral, lúcida, orientada e colaborativa, hipocorada e pouco hidratada. Apresentava queixa de dificuldade respiratória e tosse freqüente, mobilidade torácica presente e simétrica bilateralmente.
Fizeram parte do tratamento fisioterapêutico: manobras de higiene brônquica (MHB); alongamento da musculatura acessória da respiração; exercícios respiratórios; orientações quanto à troca de postura (de deitada para sentada) e apoio de travesseiro sobre incisão durante a tosse; programa de deambulação monitorada (progressão quanto à distância e velocidade) e treino de escada.
As MHB (vibrocompressão e huffing) eram realizadas em virtude dos indicativos de secreção pulmonar (diminuição do murmúrio vesicular em bases à ausculta pulmonar (AP) e história clínica da paciente), alongamento dos músculos: trapézios superiores, escalenos e esternecleidomastoídeos e exercícios respiratórios (treino do padrão diafragmático com apoio iliocostal, inspiração em tempos associado à elevação de membros superiores, utilização de inspirômetro de incentivo - Respiron) eram conduzidos pela presença de padrão ventilatório paradoxal e utilização da musculatura acessória da respiração. Nos últimos dias de tratamento, houve aumento da ventilação diariamente após fisioterapia com murmúrio vesicular presente bilateralmente, sem ruídos adventícios à AP e ausência da tosse produtiva. Ao final do tratamento, houve um maior controle do ritmo e profundidade respiratória, menor uso da musculatura acessória da respiração melhora da mecânica respiratória, aumento do grau de mobilidade e manutenção de uma postura mais adequada e desta forma, controle do desconforto respiratório.
A deambulação monitorada progrediu quando à distância e à velocidade e, por último incluiu-se treino em escada. A evolução normal da deambulação, entretanto, foi limitada pelo quadro clínico da paciente (presença de náuseas e vômitos diários). Após uma adequação da terapia medicamentosa, houve estabilização deste quadro. Ao final do tratamento o treino em escada foi realizado sem dificuldades. Paciente recebeu orientações quanto aos riscos e complicações decorrentes da imobilidade, desta forma, houve maior permanência em posturas verticais e aumento da freqüência de deambulação voluntária.
Discussão
As EI agudas têm sido relatadas comprometendo corações normais. Esta situação é identificada quando a infecção ocorre por agentes etiológicos altamente virulentos ou resistentes aos antibióticos comuns, como o Staphylococcus aureus apresentado neste estudo (FILGUEIRAS et al., 1997). A busca pelo substituto valvar cardíaco ideal tem sido um dos temas mais pesquisados dentro da cirurgia cardíaca (FANTINI et al., 1998). Entretanto, de acordo com Hudorovic (2008) o desenvolvimento de próteses valvares está estagnado: as duráveis valvas mecânicas ainda precisam de anticoagulantes e expõem os pacientes a riscos de trombose e embolismo; enquanto as valvas aórticas biológicas continuam não duráveis e freqüentemente utilizadas, o que submete a população idosa à nova cirurgia de troca valvar (ZILLA et al., 2007; HUDOROVIC, 2008). A opção por prótese biológica esteve relacionada à idade da paciente, já que jovens especialmente mulheres, que desejam ter filhos podem sofrer complicações pelo uso da terapia com anticoagulante.
O tempo de CEC pode influenciar a força muscular respiratória com piores resultados quando este excede 60 min (NARDI et al., 2007). No presente estudo, o tempo esteve abaixo da média relatada para troca valvar aórtica por bioprótese (ARAÚJO et al., 2006). Além do tempo de CEC, outros fatores alteram a mecânica respiratória durante o pós-operatório como: incisão cirúrgica, anestesia e presença de drenos torácicos. Sendo assim, de acordo com Nardi et al. (2007), quando se compara o pré-operatório com o 1° dia de pós-operatório, identifica-se uma redução de aproximadamente 50% nos valores de pressão inspiratória máxima, pressão expiratória máxima, volume corrente, capacidade vital, volume expirado. Acrescenta-se, ainda, que o padrão respiratório paradoxal apresentado pela paciente, com contrações intensas dos músculos acessórios da respiração em repouso é de acordo com Costa et al. (2004), indicativo de dificuldades ventilatórias. Desta forma, foram preconizados alongamentos da musculatura acessória da respiração de forma ativo-assistida, treino do padrão respiratório diafragmático e exercícios respiratórios. Os resultados observados após o tratamento podem estar relacionados, também, à diminuição da dor pela retirada dos drenos e melhora dos componentes elásticos da caixa torácica decorrente do processo de cicatrização (ROMANINI et al., 2007).
A "reabilitação cardíaca fase 1" é indicada no pós-operatório de cirurgias valvares. O início deve ser na fase hospitalar, tão logo seu quadro clínico seja considerado estável, passando por estágios que evoluem de acordo com a sua recuperação (GONÇALVES et al., 2006; CARVALHO, 2006; PROUDFOOT et al., 2007). De acordo com Pollok et al. (2000) cirurgias cardíacas podem levar a danos significativos aos tecidos moles e ósseo da caixa torácica. Se esta área não recebe exercícios de amplitude de movimento, podem ser desenvolvidas adesões, fraqueza e encurtamento muscular. Acrescentam que, um atraso no início destes exercícios pode resultar em maior desconforto para o paciente e aumentar o tempo necessário para completa recuperação. Atividades de alongamento e flexibilidade estão indicadas nas primeiras 24 h após a cirurgia. Alguns estudos ressaltam a importância da mobilização precoce e do posicionamento dentre as principais formas de otimização do transporte de oxigênio e trocas gasosas, no auxílio da higiene brônquica, bem como na prevenção de complicações tromboembólicas, descondicionamento físico, pneumonia, contraturas musculares e rigidez articulares (DEAN, 1994; COERTJENS et al., 2005; BARTELS et al., 2006). Desta forma, justificam-se as orientações quanto à troca de postura, informações quanto às complicações advindas da hipomobilidade, bem como o programa de deambulação e treino de escada. Para melhor conforto da paciente, foi orientada a apoiar o travesseiro sobre incisão durante a tosse. As orientações de atividades dadas à paciente durante o período de atendimento hospitalar compartilham a responsabilidade do tratamento do fisioterapeuta com a paciente, o que possibilita a continuidade de forma independente em seu domicílio e melhora da qualidade de vida em suas atividades de vida diária.
Considerando as informações expostas, pode-se afirmar que a fisioterapia apresenta importante contribuição na fase pós-operatória imediata de troca valvar aórtica de forma a evitar os efeitos negativos do repouso prolongado no leito, estimular o retorno mais breve às atividades de vida diária, manter a capacidade funcional, desenvolver a confiança do paciente, diminuir o impacto psicológico (como ansiedade e depressão), evitar complicações pulmonares, maximizar a oportunidade da alta precoce e fornecer as bases de um programa domiciliar (GONÇALVES et al., 2006; CARVALHO, 2006).
Bibliografia
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Fonte
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