Importância da fisioterapia no pré e pós-operatório de cirurgia cardíaca pediátrica
INTRODUÇÃO
As cardiopatias congênitas acometem cerca de 8 a 10 crianças a cada 1000 nascidos vivos, sendo estimado o surgimento de 28.846 novos casos por ano no Brasil, onde são necessários, em média, 23.077 procedimentos cirúrgicos por ano [1].
As cardiopatias congênitas mais frequentes no estudo de Miyague et al.[2] foram as anomalias acianóticas, tais como, comunicação interventricular (30,5%), a comunicação interatrial (19,1%), a persistência do canal arterial (17%), a estenose pulmonar valvar (11,3%) e a coarctação da aorta (6,3%), enquanto que as cianóticas mais frequentes foram a tetralogia de Fallot (6,9%), a transposição dos grandes vasos da base (4,1%), a atresia tricúspide (2,3%) e a drenagem anômala total de veias pulmonares (2%).
As crianças com cardiopatia congênita frequentemente desenvolvem alterações da mecânica respiratória [3], além disso, a cirurgia cardíaca associada à circulação extracorpórea (CEC) também leva a uma série de complicações respiratórias [4]. Desta forma, a fisioterapia no pré e pós-operatório têm como principais objetivos a reexpansão pulmonar, desobstrução das vias aéreas e orientar os responsáveis para prevenir estas complicações [5].
Esta revisão buscou atualizar os conhecimentos em relação à atuação da fisioterapia no pré e pós-operatório de cirurgias cardíacas pediátricas na prevenção de complicações pulmonares.
COMPLICAÇÕES PULMONARES EM CIRURGIA CARDÍACA PEDIÁTRICA
As complicações pulmonares pós-cirurgia cardíaca pediátrica observadas no estudo de Felcar et al.[5] foram: atelectasia, pneumonia, derrame pleural, pneumotórax, quilotórax, hipertensão pulmonar, hemorragia pulmonar e paralisia diafragmática, sendo que as duas primeiras alterações foram mais frequentes.
A atelectasia, definida como colapso de uma determinada região do parênquima pulmonar [6] é a complicação mais comum no pós-operatório de cirurgia cardíaca [7], e piora a oxigenação, diminui a complacência pulmonar, provocando inibição da tosse e do clerance pulmonar, podendo levar à insuficiência respiratória e aumentar a resistência vascular pulmonar [8].
Cirurgias cardíacas associadas à CEC têm como efeito adverso o aumento da permeabilidade capilar que gera o edema, o que acarreta em redução da complacência pulmonar e trocas gasosas [9], além de levar ao colabamento das vias aéreas, atelectasias, diminuição da capacidade residual funcional e consequentemente hipoxemia [4].
Stayer et al. [3] avaliaram as alterações na resistência e complacência pulmonar dinâmica em 106 crianças com idade inferior a um ano, portadoras de cardiopatia congênita, submetidas à cirurgia cardíaca com CEC. Essas variáveis foram medidas em dois momentos: antes da incisão cirúrgica com dez minutos de ventilação mecânica e após a retirada da CEC e do fechamento esternal. Os autores verificaram que recém-nascidos e pacientes com hiperfluxo pulmonar apresentavam no pré-operatório diminuição da complacência pulmonar e aumento na resistência respiratória, sendo que após a cirurgia o último parâmetro melhorou. Já os lactentes com fluxo pulmonar normal no pré-operatório tinham complacência pulmonar diminuída e desenvolveram, no pós-operatório, deterioração da complacência dinâmica, porém a resistência pulmonar não foi afetada. Este estudo mostrou que cirurgias cardíacas podem alterar a mecânica respiratória em neonatos e lactentes.
No estudo retrospectivo de Nina et al. [9] que avaliou o escore de risco ajustado para cirurgia em cardiopatia congênita (RACHS-1) em 145 pacientes, observou-se uma mortalidade de 17,2%, sendo que 66% ocorreram em portadores de cardiopatias congênitas cianogênicas. Houve maior mortalidade (60%) na categoria de maior risco, ou seja, pacientes submetidos ao maior tempo de CEC e de isquemia miocárdica. Dentre as causas de óbito mais comum destaca-se a síndrome do baixo débito cardíaco (48%), seguida das infecções pulmonares (11%).
A pneumonia é uma das causas mais frequentes de infecção nosocomial no pós-operatório de cirurgia cardíaca pediátrica, sendo considerada uma causa importante de morbimortalidade nessa população [10,11]. Tan et al. [12] verificaram que 21,5% de 311 crianças com cardiopatia congênita submetidas à correção cirúrgica adquiriram pneumonia nosocomial.
FISIOTERAPIA NO PRÉ E PÓS-OPERATÓRIO
A fisioterapia no período pré e pós-operatório está indicada em cirurgia cardíaca pediátrica com o objetivo de reduzir o risco de complicações pulmonares (retenção de secreções pulmonares, atelectasias e pneumonias) [5], bem como tratá-las, pois contribui para a ventilação adequada e o sucesso da extubação [13].
No pré-operatório, a fisioterapia utiliza técnicas desobstrutivas, reexpansivas, apoio abdominal e orientação da importância e os objetivos da intervenção fisioterapêutica aos pais ou acompanhantes, ou aos pacientes capazes de compreendê-las [5]. As técnicas utilizadas pela fisioterapia no pós-operatório incluem vibração na parede torácica, percussão [5,14-16], compressão [16], hiperinsuflação manual [5,16], manobra de reexpansão [6], posicionamento [5,14], drenagem postural [5,6,14,15], estimulação da tosse [14,15], aspiração [5,14], exercícios respiratórios [15], mobilização [5] e AFE (aceleração do fluxo expiratório)[17].
Existem poucos estudos atuais sobre a atuação da fisioterapia no pós-operatório de cirurgia cardíaca pediátrica [5], principalmente aqueles prospectivos que abordem a eficácia da fisioterapia no pré-operatório para a prevenção de complicações pulmonares após cirurgia cardíaca.
Felcar et al.[5] realizaram estudo com 141 crianças portadoras de cardiopatia congênita, com idade variando entre um dia de vida e seis anos, aleatoriamente divididas em dois grupos, sendo que um deles recebeu fisioterapia no pré e pós-operatório e o outro apenas no pós-operatório. Obtiveram diferença estatisticamente significativa quanto à presença de complicações pulmonares (pneumonia e atelectasia), sendo mais frequentes no grupo submetido à fisioterapia somente no pós-operatório. Além disso, quando associaram a presença de complicações pulmonares com outras complicações relacionadas com o tempo de internação, como sepse, pneumotórax, derrame pleural e outras, o grupo que recebeu fisioterapia antes e depois do procedimento cirúrgico apresentou menor risco de desenvolvê-las. Estes achados demonstram a importância da atuação preventiva da fisioterapia no pré-operatório.
O estudo de Main et al. [15] comparou a efetividade da aspiração com as técnicas de fisioterapia respiratória (vibração manual, percussão, compressão, hiperinsuflação manual, posicionamento e drenagem postural) em 83 participantes, com idade média de 9 meses. Os parâmetros respiratórios (volume corrente expiratório, resistência e complacência pulmonar) foram mensurados 15 minutos antes do atendimento e 30 minutos após, e se estendendo por 60 minutos após a intervenção em casos de não ter havido necessidade de intervenção clínica. O tempo de duração da fisioterapia foi maior que o da aspiração (8,5±3,5 e 5,6±2,7 minutos, respectivamente). Observou-se que o tratamento fisioterapêutico tende a produzir melhora do volume corrente expiratório, na complacência e resistência pulmonar.
Segundo Kavanagh [7], o tratamento para atelectasia consiste em fisioterapia, respiração profunda, espirometria de incentivo. No entanto, algumas vezes, a atelectasia é de difícil reversão sendo necessária associação de outro método, como no relato de caso de Silva et al. [16], em que uma criança portadora de cardiopatia congênita foi submetida à cirurgia cardíaca e desenvolveu essa complicação pulmonar após a extubação no pós-operatório e a reversão do quadro foi obtida após a associação da fisioterapia respiratória com a inalação de solução salina hipertônica com NaCl a 6%.
Neste estudo diariamente eram realizados radiografias de tórax e quatro sessões de fisioterapia respiratória com duração de 20 minutos, utilizando-se manobras de reexpansão pulmonar e higiene brônquica, drenagem postural brônquica e aspiração traqueal. Imediatamente antes e após a fisioterapia foi associada inalação de solução salina hipertônica NaCL a 6%. Os autores verificaram que tal associação mostrou-se eficaz neste caso [16].
Os exercícios respiratórios são indicados em casos de atelectasia devido cirurgia torácica ou cirurgia de abdome superior, pois melhoram a eficiência respiratória, aumenta o diâmetro das vias aéreas, o que contribui para desalojar secreções, impedindo o colapso alveolar, facilitando a expansão pulmonar e o clerance das vias aéreas periféricas [15].
Campos et al.[17] analisaram o efeito do aumento do fluxo expiratório (AFE) na frequência cardíaca, na frequência respiratória e na saturação de oxigênio em 48 crianças com diagnóstico de pneumonia. As variáveis foram avaliadas antes da fisioterapia, no primeiro e no quinto minuto após a fisioterapia. Os autores observaram aumento estatisticamente significativo da saturação de oxigênio e redução estatisticamente significativa da frequência respiratória e cardíaca após intervenção com AFE e concluíram que essa técnica fisioterapêutica para higiene brônquica, é eficaz na melhora da função pulmonar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A ocorrência de complicações pulmonares no pós-operatório de cirurgias cardíacas é bastante comum, dentre elas destacam-se a atelectasia e a pneumonia. Visto que a frequência de cirurgias cardíacas em crianças portadoras de cardiopatia congênita é alta, torna-se importante lançar mão de meios eficazes para impedir, reduzir ou tratar tais complicações.
A fisioterapia inserida na equipe multidisciplinar contribui significativamente para o melhor prognóstico de pacientes pediátricos submetidos à cirurgia cardíaca, pois atua na prevenção e tratamento de complicações pulmonares por meio de técnicas específicas, tais como vibração, percussão, compressão, hiperinsuflação manual, manobra de reexpansão, posicionamento, drenagem postural, estimulação da tosse, aspiração, exercícios respiratórios, AFE e mobilização.
Foi observada a efetividade da atuação da fisioterapia na redução do risco e/ou no tratamento de complicações pulmonares decorrentes do procedimento cirúrgico em crianças portadoras de cardiopatia congênita. Sendo assim, são necessárias mais pesquisas que avaliem o tratamento fisioterapêutico nos períodos pré e pós-operatório de cirurgia cardíaca pediátrica, comparando-se as diferentes técnicas utilizadas pelo fisioterapeuta a fim de minimizar as complicações pulmonares frequentes no pós-operatório.
REFERÊNCIAS
1. Pinto Jr VC, Daher CV, Sallum FS, Janete MB, Croti UA. Situação das cirurgias cardíacas congênitas no Brasil. Rev Bras Cir Cardiovascular. 2004; 19(2): III-VI. [ Links ]
2. Miyague NI, Cardoso SM, Meyer F, Ultramari FT, Araújo FH, Rozkowisk I et al. Estudo epidemiológico de cardiopatias congênitas na infância e adolescência. Análise em 4.538 casos. Arq Bras Cardiol. 2003; 80(3): 269-73. [ Links ]
3. Stayer AS, Diaz LK, East DL, Gouvion JN, Vencill TL, Mckenzie ED et al. Changes in respiratory mechanics among infants undergoing heart surgery. Anesth Analg. 2004; 98(1): 49-55. [ Links ]
4. Undern-Sternberg BS, Petak F, Saudan S, Pellegrini M, Erb TO, Habre W. Effect of cardiopulmonary bypass and aortic clamping on functional residual capacity and ventilation distribution in children. J Thorac Cardiovasc Surg. 2007; 134(5): 1193-8. [ Links ]
5. Felcar JM, Guitti JCS, Marson AC, Cardoso JR. Fisioterapia pré-operatória na prevenção das complicações pulmonares em cirurgia cardíaca pediátrica. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2008;23(3):383-8. [ Links ]
6. Andrejaitiene J, Sirvinskas E, Bolys R. The influence of cardiopulmonary bypass on respiratory dysfunction in early postoperative period. Medicina (Kaunas). 2004;40(Suppl 1):7-12. [ Links ]
7. Kavanagh BP. Perioperative atelectasis. Minerva Anestesiol. 2008;74(6):285-7. [ Links ]
8. Goraieb L, Croti UA, Orrico SRP, Rincon OYP, Braile BM. Alterações da função pulmonar após tratamento cirúrgico de cardiopatias congênitas com hiprefluxo pulmonar. Arq Bras Cardiol. 2008;91(2):77-84. [ Links ]
9. Nina RVAH, Gama MEA, Santos AM, Nina VJS, Figueiredo NETO JA, Mendes VGG, et al. O escore de risco ajustado para cirurgia em cardiopatias congênitas (RACHS-1) pode ser aplicado em nosso meio? Rev Bras Cir Cardiovasc. 2007;22(4):425-31. [ Links ]
10. Camí MTG, García IJ, Ayala UM. Infección nosocomial em postoperados de cirugía cardíaca. Na Pediatr (Barc). 2008;69(1):34-8. [ Links ]
11. Brasher PA, Mcclelland KH, Denehy L, Story I. Does removal of deep breathing exercises from physiotherapy program including pre-operative education and early mobilization after cardiac surgery alter pacient outcomes? Aust J Physiother. 2003;49(3):165-73. [ Links ]
12. Tan L, Sun X, Zhu X, Zhang Z, Li J, Shu Q. Epidemiology of nosocomial pneumonia infants after cardiac surgery. Chest. 2004;125(2):410-7. [ Links ]
13. Nicolau CM, Lahóz AL. Fisioterapia respiratória em terapia intensiva pediátrica e neonatal: uma revisão baseada em evidências. Pediatria. 2007;29(3): 216-21. [ Links ]
14. Balachandran A, Shivbalan S, Thangavelu S. Chest physiotherapy in pediatric practice. Indian Pediatrics. 2005;42(6):559-68. [ Links ]
15. Main E, Castle R, Newham D, Stocks J. Respiratory physiotherapy vs. suction: the effects on respiratory function in ventilated infants and children. Intensive Care Med. 2004;30(6):1144-51. [ Links ]
16. Silva NLS, Piotto RF, Barboza MAI, Croti UA, Braile DM. Inalação de solução salina hipertônica como coadjuvante da fisioterapia respiratória para reversão de atelectasia no pós-operatório de cirurgia cardíaca pediátrica. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2006;21(4):468-71. [ Links ]
17. Campos RS, Couto MDC, Albuquerque CLR, Siqueira AAF, Abril LC. Efeito do aumento expiratório ativo-assistido em crianças com pneumonia. Arq Med ABC. 2007;32(Supl 2):38-41. [ Links ]
Simone CavenaghiI; Silvia Cristina Garcia de MouraII; Thalis Henrique da SilvaIII; Talita Daniela VenturinelliIV; Lais Helena Carvalho MarinoV; Neuseli Marino LamariVI
IDoutora em Ciências da Saúde (FAMERP) (Fisioterapeuta, Docente do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu Fisioterapia Hospitalar Geral - FAMERP)
IIFisioterapeuta (Aluna do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu Fisioterapia Hospitalar Geral - FAMERP)
IIIFisioterapeuta (Aluno do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu Fisioterapia Hospitalar Geral - FAMERP)
IVFisioterapeuta (Aluna do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu Fisioterapia Hospitalar Geral - FAMERP)
VDoutoranda em Ciências da Saúde -FAMERP. (Fisioterapeuta, Docente do Curso de Pós-graduação Lato-Sensu Fisioterapia Hospitalar Geral (FAMERP)
VIDoutora em Ciências da Saúde - FAMERP. (Fisioterapeuta, Professora Adjunto da FAMERP)
Temos um EBOOK Gratuito pra te Oferecer, EBOOK Fisioterapia na Incontinênica Urinária. Basta clicar aqui
Se quiser receber mais textos como esse, entre no grupo de Whatsapp para receber textos e informações do nosso material.
Você pode ter um material mais aprofundado sobre esse tema. A Quero Conteúdo disponibiliza dezenas de materiais sobre Fisioterapia para estudantes e profissionais. Entre em contato com a consultora clicando na imagem abaixo!