Fisioterapia respiratória na insuficiência cardíaca congestiva. Relato de caso



    A insuficiência cardíaca (IC) representa a via final comum de diversas doenças do coração e resulta da incapacidade do coração, na presença de pressões adequadas, de suprir as necessidades metabólicas dos tecidos16. Esta enfermidade pode comprometer um ou ambos os ventrículos, envolvendo alterações estruturais, funcionais e biológicas, desencadeadas por uma injúria, culminando com o surgimento dos sinais e sintomas típicos dessa síndrome. Esta patologia tem evolução progressiva, na maioria dos casos leva à óbito independente de sua causa básica7,9.

    Um dos principais problemas no manejo dos pacientes com IC grave são as freqüentes hospitalizações por descompensação, que além de causar grande ônus para o sistema de saúde previdenciário, é uma das principais causas de perda de qualidade de vida destes pacientes. Em média 30 à 50 % dos pacientes reinternam após 3 à 6 meses de alta hospitalar8. Nos Estados Unidos, aproximadamente 5 milhões de indivíduos têm IC e a cada ano são diagnosticados 550 mil novos casos, principalmente de pessoas em idade avançada1. No Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde (Datasus, 2007) o índice de internações hospitalares por IC em 2006 foi de 298.954, sendo a região Sul responsável por 21% dos casos4.

    A prevalência de IC aumenta exponencialmente com a idade, associa-se à significativa morbimortalidade e constitui a primeira causa de hospitalização em idosos. Embora o tratamento da IC nestes pacientes seja, em essência, similar ao de outras faixas etárias, é necessário considerarem-se os aspectos próprios relacionados às comorbidades e às interações medicamentosas inerentes ao envelhecimento16.
    Esta patologia tem início com a redução da contratilidade miocárdica e conseqüente queda do débito cardíaco, redução da fração de ejeção e aumento dos volumes ventriculares. Em resposta à redução da performance cardíaca, surgem os mecanismos de compensação, como o aumento da freqüência cardíaca, aumento da contratilidade, vasoconstrição periférica, retenção de sódio e água e aumento da volemia. Essas respostas são decorrentes da ativação integrada do sistema neuroormonal que é mediado pelo aumento da atividade adrenérgica, ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona, aumento de arginina vasopressiva, endotelinas, citocinas e fator natriurético atrial14,17.

    O remodelamento ventricular é a base da disfunção miocárdica. Qualquer lesão ou sobrecarga, dependendo de sua intensidade, pode desencadear mudanças na forma, dimensões e função do ventrículo, através da hipertrofia, perda de miócitos e fibrose intersticial. Com a progressão desse processo, o ventrículo vai assumindo uma configuração globosa, tem seus diâmetros aumentados e torna-se menos eficiente9,14.

    A insuficiência cardíaca congestiva (ICC), indica a presença de sinais e sintomas como ingurgitamento jugular, dispnéia aos esforços, estertores finos nas bases pulmonares, hepatomegalia e edema de membros inferiores (MMII). A dispnéia inicialmente desencadeada pelos esforços físicos mais rigorosos pode progredir gradual ou rapidamente para dispnéia em repouso, e até mesmo para edema pulmonar agudo9.

    A atuação da Fisioterapia na ICC em ambiente hospitalar refere-se ao tratamento da hipersecreção brônquica visando desobstrução das vias respiratórias e melhora da dispnéia bem como, a prevenção das alterações decorrentes do imobilismo. Seus resultados podem ser observados, com melhora do quadro de retenção de secreções, qualidade e quantidade das secreções bem como otimização da qualidade de vida12,13.
    A hipomobilidade no leito leva a um maior descondicionamento da musculatura esquelética e respiratória conseqüentemente ao aumento da intolerância ao esforço, predisposição a fenômenos tromboembólicos e ao aparecimento de escaras, porém, a Fisioterapia dispõem de estratégias como posicionamento no leito, exercícios ativos entre outros, que podem prevenir o aparecimento deste quadro13.

    As condutas adequadamente prescritas durante a hospitalização podem propiciar inúmeros benefícios para o paciente entre estes, a diminuição do tempo de internação, diminuição da morbimortalidade e da ansiedade e depressão2.

    Considerando a importância da assistência fisioterapêutica nos cuidados ao paciente com ICC e a escassez de estudos sobre o tema, este trabalho teve como objetivo: demonstrar a eficácia do tratamento fisioterapêutico nesta patologia através das técnicas utilizadas para promover higiene brônquica e, conseqüentemente diminuir o desconforto respiratório bem como, prevenir as conseqüências do imobilismo para o sistema músculo-esquelético e cardiovascular.

Descrição do caso e da intervenção clínica

    A paciente de 83 anos, sexo feminino, teve admissão hospitalar apresentando diagnóstico clínico de insuficiência cardíaca congestiva. Uma semana antes de sua internação apresentou taquipnéia e tosse seca, apresentando-se afebril. A mesma foi submetida à avaliação fisioterapêutica, a anamnese foi obtida por meio de perguntas objetivas, inteligíveis, buscando-se extrair a queixa principal relacionada à patologia, história da doença atual e história da doença pregressa. Foram analisados os exames completares e tratamento farmacológico. Segundo informações, há cinco anos a paciente apresenta dificuldade para respirar e desde então tem sido internada freqüentemente para realizar tratamento medicamentoso e fazer uso de oxigenioterapia.

    Tendo em vista os resultados obtidos por meio da avaliação obteve-se como diagnóstico fisioterapêutico: hipersecreção brônquica, alvéolos hipodistendidos, alteração da mecânica diafragmática. A partir dos diagnósticos foi possível traçar os seguintes objetivos: promover higiene brônquica, normalizar a ventilação pulmonar, melhorar a mecânica diafragmática, evitar hipomobilidade no leito evitar trombose venosa profunda e escaras, manter amplitude de movimento articular e força muscular dos membros inferiores.
    Para alcançar os objetivos utilizaram-se estratégias como: aumento do fluxo expiratório (AFE), vibrocompressão, shaking, estímulo da tosse passiva e ativa, trocas de decúbito, posicionamento sentada, caminhada leve, exercícios metabólicos de flexo-extensão e circundação para membros superiores (MMSS) e membros inferiores (MMII).

Resultados e discussão

    O tratamento fisioterapêutico constou de oito sessões de aproximadamente quarenta minutos. Nos exames complementares pôde-se observar: na radiografia de tórax 1º dia – infiltrados perihilares difusos, acentuação da trama pribronco-vascular, silhueta cardíaca aumentada e aorta torácica ateromatosa; no hemograma– não houve alterações. A paciente estava fazendo uso dos seguintes fármacos: Antak, Liquemine, Rocefin e Omeprazol.

    Ao exame físico, na inspeção geral, a paciente em regular estado geral, sonolenta, pouco colaborativa, fazendo uso de oxigenioterapia 3 l/min. Foi observado, padrão respiratório misto, uso de musculatura acessória, tiragens supra-esternais. Quanto à análise da tosse, apresentava-se produtiva ineficaz.

    Segundo a classificação da New York Heart Association (NYHA)9, que estratifica os portadores de IC em classes conforme o grau de comprometimento funcional a paciente se enquadra na classe IV- pacientes com sintomas em repouso e conforme American Heart Association/American College of Cardiology9 em estágio D- doentes com disfunção cardíaca avançada e com sintomas em repouso.

    Na primeira sessão a paciente apresentou freqüência respiratória (FR) inicial de 22 ipm, final de 21 ipm; freqüência cardíaca (FC) inicial de 89 bpm, final de 96 bpm; pressão arterial (PA), inicial de 120/70 mmHg, final de 130/70mmHg; SatO2 inicial de 92%, final de 98%; na ausculta inicial apresentou roncos, creptantes e sibilos inspiratórios e expiratórios difusos e na ausculta final ausência de roncos, diminuição creptantes e, sibilos expiratórios esparsos. Durante as oito sessões a FR inicial variou de 19 a 25 ipm e a final de 18 a 21 ipm; a FC de 81 a 105 bpm; a PA de 110/70mmHg a 130/70 mmHg; a SatO2 inicial de 89 a 92% e final de 95 a 99%. No decorrer do tratamento fisioterapêutico pôde-se observar ao final das sessões, diminuição da FR, aumento da SatO2, ausência de tiragens, diminuição do uso da musculatura acessória e melhora do quadro de retenção de secreções, qualidade e quantidade das secreções.

    A função do sistema cardiovascular depende da postura, é igualmente reconhecido que a gravidade influencia os mecanismos desse sistema e é fator determinante da relação ventilação/perfusão3. Tendo em vista os benefícios do posicionamento no leito, este procedimento foi realizado com intuito de manter o tórax elevado, em posição semi-sentado e sentado para promover melhora da mecânica diafragmática e diminuir o retorno venoso para o coração insuficiente11,15. A paciente foi posicionada no leito em decúbito dorsal, variando para decúbito lateral direito e esquerdo com elevação da cabeceira à aproximadamente 45º, a mesma foi orientada a adotar também a posição sentada.

    A TEF (técnica de expiração forçada) consiste de uma expiração forçada realizada a alto, médio ou baixo volume pulmonar, obtida graças a uma contração energética dos músculos expiratórios, essencialmente os abdominais. Esta técnica é realizada por meio de uma pressão manual tóraco-abdominal executada pelo fisioterapeuta, durante a qual a pressão intratorácica e o fluxo bucal aumentam simultaneamente, o que produz um fluxo inicial menos elevado que durante a tosse. O AFE é uma variante desta técnica, e tem o objetivo de mobilizar deslocar e eliminar as secreções traqueobrônquicas distais10.

    Na monobra de shaking as mãos do fisioterapeuta são colocadas sobre a parede torácica do paciente e, durante a expiração, uma ação vibratória na direção do movimento normal das costelas é transmitida através do tórax usando o peso do corpo. Essa ação aumenta o fluxo expiratório e pode ajudar a mobilizar secreções. A ação vibratória pode ser tanto um movimento grosseiro (shaking – sacudidelas) ou um movimento fino (vibrações torácicas)12. A vibrocompressão é semelhante ao shaking, compreende movimentos oscilatórios aplicados sobre o tórax, acompanhados de compressão torácica durante a expiração. A intensidade da pressão realizada deve respeitar a mecânica do tórax, pois esta compressão aumenta o fluxo expiratório promovendo o deslocamento das secreções6.

    As manobras de AFE, shaking e vibrocompressão foram realizadas com a paciente em DD, em DLE e DLD no leito com a cabeceira elevada à aproximadamente 45º, com a finalidade de aumentar o fluxo aéreo expiratório promovendo assim, o deslocamento das secreções brônquicas.

    A tosse é um reflexo protetor (fisiológico) que é gerado pela estimulação dos receptores tussígeos e pela atividade mucociliar, contudo ela pode ser realizada de forma voluntária, com ou sem o auxílio do fisioterapêuta. Durante a tosse há um aumento do fluxo expiratório o que facilita o deslocamento das secreções11. Foi realizado estímulo da tosse ativa (quando a paciente apresentava-se colaborativa) e tosse induzida – tick traqueal (quando a mesma não conseguia realizar a tosse ativa). Estas condutas foram realizadas com a paciente semi-sentada ou sentada.

    Os exercícios metabólicos devem ser otimizados como estratégia de prevenção de fenômenos tromboembólicos com aumento progressivo para movimentos que envolvam maiores grupos musculares de acordo com a melhora clínica do paciente13. Estes exercícios foram realizados com a paciente na posição sentada em 3 séries de 10 repetições.

    A realização de caminhada, igualmente auxilia na prevenção das alterações decorrentes do imobilismo13. A paciente foi encorajada a realizar caminhada leve no quarto e no corredor respeitando seus limite de desconforto respiratório.

    Sugere-se ainda, que sejam implementados no tratamento os padrões ventilatórios seletivos (PVS) e uso de ventilação mecânica não invasiva (VMNI) como CPAP (Pressão Positiva Contínua nas Vias Aéreas) ou BIPAP (Pressão Positiva Bifásica nas Vias Aéreas), como objetivo melhorar a ventilação/perfusão3. Neste caso, não foi possível realizar os PVS pois a paciente encontrava-se pouco colaborativa e apresentava dificuldade para entender o que era solicitado. Já a utilização de VMNI foi descartada por a paciente apresentar aumento do desconforto respiratório ao utilizar a máscara devida dificuldade em respirar utilizando uma PEEP (pressão positiva expiratória final) oferecida pelos aparelhos.

Conclusão

    A Fisioterapia pode dar uma contribuição relevante na minimização do desconforto respiratório do paciente com ICC visando a melhoria da ventilação/perfusão e prevenção das alterações decorrentes do imobilismo.

    Após o tratamento, realizado em oito sessões, pôde-se observar, diminuição da FR, aumento da SatO2, ausência de tiragens, diminuição do uso da musculatura acessória e melhora do quadro de retenção de secreções, qualidade e quantidade das secreções.

    A Fisioterapia é relevante no tratamento da ICC por promover melhora da qualidade de vida.

    Finalmente, sendo a ICC uma patologia de alta prevalência e responsável por grande número de internações hospitalares deve-se aprimorar os conhecimentos no que se refere ao tratamento fisioterapêutico e principalmente, divulgar a prevenção desta enfermidade.
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