Fisioterapia respiratória e sua aplicabilidade no período pré-operatório de cirurgia cardíaca
Um importante momento da história da medicina do século XX foi a realização da técnica cirúrgica a céu aberto, permitindo constantes avanços técnicos, incluindo relevantes contribuições nacionais [1]. Seguindo o caminho desta conquista, o tratamento cirúrgico permanece como a modalidade terapêutica melhor relacionada à sobrevida dos indivíduos portadores de doenças coronarianas, assim como, nos indivíduos com disfunções valvares [1,2]. Apesar dos inúmeros avanços obtidos, a ocorrência de complicações após intervenções cardíacas é muito comum e constitui uma das principais causas de morbidade e mortalidade pós-operatória [2,3].
Historicamente, a fisioterapia respiratória tem sido empregada em pacientes submetidos a cirurgias cardíacas com o objetivo de reduzir o risco de complicações pulmonares, como a retenção de secreções pulmonares, atelectasias e pneumonia [4], tanto em adultos como em pediatria [5].
A participação dos profissionais fisioterapeutas no preparo e na reabilitação dos indivíduos que são submetidos a procedimentos cirúrgicos, mostra-se relevante, tendo em vista o grande arsenal de técnicas disponíveis [6].
É descrito na literatura que, além da relativa escassez, os trabalhos relacionados à abordagem da fisioterapia no pré-operatório apresentam técnicas divergentes [7]. Diante da importância da fisioterapia na prevenção e no tratamento de complicações pós-operatórias, realizou-se a presente revisão bibliográfica, com o objetivo de reunir informações relevantes sobre este assunto.
REVISÃO DA LITERATURA
Leguisamo et al. [8] recomendam que a fisioterapia respiratória deve ser iniciada no pré-operatório, de forma a avaliar e orientar os pacientes. Estudos demonstraram que a atuação fisioterapêutica pré-operatória reduziu significantemente os riscos de se desenvolver complicações pulmonares no pós-cirúrgico de crianças com idade inferior a seis anos [9].
Garbossa et al. [6] sugerem que o tempo despendido seja melhor aproveitado, podendo o profissional esclarecer as dúvidas do indivíduo e orientá-lo quanto às novas situações que terá que enfrentar.
A importância em se proceder adequada avaliação pré-operatória em cardiopatas deve-se ao fato de ser comum a redução dos volumes pulmonares no pós-operatório. A diminuição da capacidade residual funcional (CRF) é um dos principais fatores determinantes da hipoxemia e da atelectasia, passíveis de ocorrer nesse tipo de cirurgia [10].
Levantamentos realizados na Austrália e Nova Zelândia por Reeve et al. [11] e, na Suécia, por Westerdahl & Möller [12], constataram que a maioria dos fisioterapeutas oferece informações pré-operatórias para pacientes submetidos a cirurgia cardíaca eletiva, tais como: mobilização precoce, restrições pós-esternotomia, risco de complicações pulmonares, técnicas para entrar e sair da cama/cadeira, exercícios respiratórios, técnicas de tosse e informações sobre exercícios dos membros inferiores. Dessa forma, a orientação dada aos pacientes, quanto às suas responsabilidades em relação aos tratamentos, auxilia na participação direta do mesmo, durante o período pós-cirúrgico [8,12,13].
Estudos sobre as alterações pós-cirúrgicas demonstram que os volumes pulmonares não dependem unicamente da atividade da musculatura respiratória, mas também das propriedades mecânicas dos pulmões. A redução da complacência pulmonar, o aumento da resistência das vias aéreas e a abolição dos suspiros são também fatores observados depois da cirurgia cardíaca. A menor mobilidade diafragmática associada à dor implica na CRF reduzida, diminuindo a ventilação e a expansibilidade das áreas mais inferiores dos pulmões [10]. Giacomazzi et al. [14] demonstraram em seus estudos que a dor foi a queixa mais persistente, assim como a significativa redução da função pulmonar até o quinto dia pós-operatório.
Diversos protocolos de avaliação pulmonar pré-operatória foram estabelecidos com o decorrer dos anos. Alguns estudos confirmam a relevância da história prévia do paciente, como a presença de doença pulmonar obstrutiva crônica, tabagismo, obesidade e idade [2,7-10,15,16]. Utilizam a espirometria para determinar os valores da capacidade vital forçada e volume expiratório forçado no primeiro segundo, mensuração das pressões inspiratórias e expiratórias máximas por meio de manovacuômetro e cirtometria para obtenção das medidas e circunferências do movimento toracoabdominal [2,7,10,14-16]. A radiografia do tórax, por ser um exame útil, pouco invasivo e de baixo custo, embora pouco solicitada no pré-operatório, tornou-se rotina no período pós-cirúrgico [17].
Em razão dos custos crescentes dos serviços de saúde e do maior número de opções para o tratamento das cardiopatias, a identificação dos fatores de risco do paciente para complicações pós-operatórias pode influenciar a decisão sobre a conduta mais adequada. Do mesmo modo, as organizações financiadoras dos procedimentos necessitam definir parâmetros de risco de complicações para aprimorar o planejamento dos recursos e o custo final da internação [18].
Torna-se relevante, portanto, identificar no período pré-operatório, os pacientes com maior risco de complicações pós-operatórias, pois é elevado o número de variáveis que podem interferir em um procedimento cirúrgico [19]. Diversas escalas e escores podem ser utilizados nos processos avaliativos da reabilitação cardiorrespiratória envolvidos nas cirurgias cardíacas.
A Escala de Torrington e Henderson, útil na avaliação clínica pré-operatória dos pacientes cirúrgicos, consegue estratificar adequadamente os riscos de baixa, moderada e alta intensidade para ocorrência de complicações pulmonares e de óbito de causa pulmonar no pós-operatório de cirurgia geral eletiva. Esta estratificação garante que estratégias específicas e medidas profiláticas sejam dispensadas aos pacientes de maior risco [20].
A variabilidade da frequência cardíaca também tem emergido como uma medida não invasiva simples, na avaliação do sistema nervoso autônomo, regulador dos processos fisiológicos do organismo humano e indicador de comprometimentos da saúde [21].
O Escore de Tuman permite identificar o grupo de pacientes com maior risco de complicações infecciosas, visto que a infecção continua sendo uma das maiores causas de morbidade e mortalidade em pacientes cirúrgicos, havendo um interesse especial em identificar fatores de risco para sua ocorrência [18]. Pacientes em internação prolongada aguardando a cirurgia de revascularização do miocárdio estão expostos aos riscos potenciais de imobilização [22].
Tendo em vista o quadro de disfunção pulmonar associado à cirurgia cardíaca e suas possíveis repercussões, a fisioterapia respiratória tem sido amplamente requisitada com o objetivo de reverter ou prevenir o desenvolvimento de complicações pulmonares [4,23], utilizando grande variedade de técnicas. No entanto, uma revisão sistemática da literatura evidencia que existem controvérsias a respeito do tema, tornando difícil a decisão sobre qual recurso seria mais útil e menos dispendioso no manejo destes pacientes. As técnicas utilizadas na fisioterapia respiratória variam de acordo com os países e com a prática de cada serviço [18].
A orientação de exercícios ventilatórios consiste na adequação do tempo inspiratório e expiratório, da profundidade ventilatória ao padrão muscular ventilatório mais adequado, tanto no que se refere à frequência respiratória quanto ao volume corrente. A fisioterapia orienta o paciente a utilizar corretamente a musculatura ventilatória e a entender os diferentes tipos de padrões ventilatórios, por meio de demonstração prática deste processo [3,24,25].
Um estudo observacional realizado na Espanha com 263 pacientes, dentre os quais 159 receberam fisioterapia respiratória pré-operatória, mostrou que espirometria de incentivo, exercícios de respiração profunda, tosse assistida e deambulação precoce estão relacionados a menor incidência de atelectasia (17% vs. 36%) após cirurgia de revascularização miocárdica com CEC, diferença considerada como sendo significativa e clinicamente relevante [26].
Em 2005, Westerdahl et al. [23] concluíram que a fisioterapia pré-operatória, com exercícios de respiração profunda, quando comparado ao regime sem instruções de respiração, diminuiu significativamente as atelectasias e ocorreu melhora da espirometria. Tratamento fisioterapêutico de atelectasia de difícil resolução durante o pós-cirúrgico cardíaco pediátrico apresentou melhor clearance mucociliar após inalação de solução salina hipertônica com NaCL a 6% [27].
Leguisamo et al. [8] estudaram a efetividade de um programa de orientação fisioterapêutica de padrões respiratórios no pré-operatório de revascularização do miocárdio. Concluíram que pacientes instruídos no pré-operatório estarão melhor preparados para colaborar com o tratamento pós-operatório e, entendendo o objetivo da fisioterapia pré e pós-operatória assim como a técnica proposta, podem reduzir o tempo de permanência no hospital.
Dados comparativos entre grupos de crianças que receberam fisioterapia pré e pós-cirurgia cardíaca e grupo que realizou apenas exercícios no pós-cirúrgico, mostraram que as complicações pulmonares foram significativamente menores no grupo que realizou fisioterapia antes e após o ato cirúrgico [9].
Estudos de Garbossa et al. [6] concluíram que indivíduos instruídos e orientados a exercícios ventilatórios fisioterapêuticos (como padrão ventilatório 1:1; 2:1 e 3:1) e rotinas hospitalares no período pré-operatório apresentaram níveis de ansiedade menores quando comparados aos indivíduos que não receberam orientação. Um programa de reabilitação cardiopulmonar pré e pós-operatório, realizado em pacientes que aguardam as cirurgias hospitalizados, apresentou resultados superiores ao tratamento padrão, reduzindo as complicações pós-operatórias e o tempo de internação [22].
Em contrapartida, Brasher et al. [4] concluíram que a remoção de exercícios respiratórios da rotina de fisioterapia não alterava significativamente o resultado do paciente. Do mesmo modo, Pasquina et al. [28], em uma revisão, concluíram que não existem provas suficientes sobre os benefícios de qualquer tipo de terapia respiratória profilática após cirurgia cardíaca, e que é mais abrangente do que tem sido justificado pelos resultados da investigação clínica.
Em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca eletiva, Borghi-Silva et al. [29] demonstraram alta prevalência de alterações espirométricas na fase pré-operatória e justificaram a importância da intervenção ûsioterapêutica precoce em reduzir a incidência de complicações respiratórias no pós-cirúrgico. De forma semelhante, Westerdahl et al. [23] reconheceram que um dispositivo mecânico poderia ajudar os pacientes a lembrar-se de realizar os exercícios respiratórios, e que os mesmos consideraram esses dispositivos úteis e motivadores.
A literatura sugere que vários tratamentos comumente utilizados pelos fisioterapeutas no pós-operatório, incluindo os espirômetros de incentivos (EI), podem ser adequados no cumprimento das exigências fisiológicas de reexpansão pulmonar [30]. A utilização de EI é realizada por meio de inspiração lenta e profunda da CRF até a capacidade pulmonar total, seguida ou não por sustentação da inspiração. A utilização do aparelho fornece um feedback visual aos pacientes, gera melhor fluidez de gases para os alvéolos e maior expansão pulmonar [31]. Desse modo, justifica-se a utilização preventiva de EI no período que antecede o procedimento, visto que os indivíduos apresentam distúrbios ventilatórios após a cirurgia.
Alguns estudos demonstraram que o espirômetro a volume (EV) desenvolve menor trabalho respiratório, quando comparado ao espirômetro a fluxo (EF). Outros autores verificaram que, durante o uso de EV, ocorre maior mobilidade do compartimento abdominal, menor recrutamento dos músculos acessórios da respiração e maior volume corrente, quando comparado ao uso do EF [32,33].
Renault et al. [34] objetivaram identificar o efeito dos exercícios de respiração profunda (ERP) e EF em pacientes submetidos a cirurgia de revascularização do miocárdio e não observaram diferenças significativas nas pressões respiratórias máximas, variáveis espirométricas e saturação de oxigênio entre pacientes participantes das diferentes técnicas utilizadas.
Tomich et al. [33] compararam três exercícios respiratórios: respiração diafragmática, EF (Triflo II) e EV (Voldyne). Verificaram que a diferença entre respiração diafragmática e o Voldyne foi um aumento significativo do ciclo inspiratório em relação ao basal. O Triflo II esteve associado a maior frequência respiratória e atividade eletromiográfica do músculo esternocleidomastoideo, concluindo que a respiração diafragmática e o Voldyne mostraram resultados semelhantes, enquanto o Triflo II apresentou desvantagens em comparação aos outros. Do mesmo modo, resultados dos trabalhos de Yamaguti et al. [35] sugeriram que a utilização do EV e dos exercícios diafragmáticos parecem ter a mesma eficácia no tratamento das alterações respiratórias, cujo objetivo terapêutico é o incremento da mobilidade diafragmática. Este estudo salientou que se considere uma indicação criteriosa e adequada do tipo de espirômetro de incentivo a ser utilizado na prática clínica. Por fim, também concluiu que as mulheres apresentaram melhor desempenho em todos os exercícios respiratórios quando comparadas aos homens.
Agostini et al. [36] concluíram que a fisioterapia, com ou sem a espirometria de incentivo, reduz a incidência de complicações pós-operatórias e melhora a função pulmonar. Porém, não há, atualmente, nenhuma evidência que o uso da espirometria de incentivo não orientado poderia substituir ou aumentar significativamente o trabalho dos fisioterapeutas.
Sabe-se que a disfunção dos músculos respiratórios devido a uma cirurgia pode levar à redução da capacidade vital, volume corrente, capacidade pulmonar total e consequente insuficiência da tosse. Estes valores reduzidos podem causar atelectasia, fator de risco para infecções pulmonares, e diminuição na capacidade residual funcional, que, por sua vez, altera propriedades de troca e aumento da ventilação/perfusão.
Alguns pesquisadores apontam como forma de prevenção das atelectasias pós-operatórias a manutenção de adequada força muscular respiratória [37]. Segundo Saglam et al. [38], uma adequada força muscular inspiratória no pré-operatório das cirurgias torácicas é responsável por maior capacidade funcional quando comparada aos indivíduos que apresentaram fraqueza muscular no período anterior à cirurgia.
A fraqueza muscular respiratória pré-operatória eleva o risco de complicações pulmonares no pós-operatório e o treinamento muscular inspiratório (TMI) pode ajudar a prevenir complicações no período pós-operatório [33,34].
Estudo utilizando TMI de carga linear baseada em 30% da PI-max, com aumento progressivo na fase pré-operatória, apresentou incidência de complicações pulmonares reduzida em 50% quando comparado a estudos com pacientes que realizaram a fisioterapia sem o treinamento muscular inspiratório. E, por conseguinte, a duração da internação hospitalar pós-operatória foi significantemente inferior [39].
A conclusão para este achado, segundo Feltrim et al. [40], foi que o TMI evitou complicações pulmonares maiores porque melhorou a força e endurance dos músculos respiratórios, porém não foi capaz de prevenir as de menor gravidade, cuja fisiopatologia pode estar associada a repercussões que não a disfunção muscular respiratória. Assim, o benefício obtido pela diminuição das complicações pulmonares de maior impacto sustenta a indicação de TMI no pré-operatório de cirurgia eletiva de revascularização do miocárdio em pacientes de alto risco.
Existe a possibilidade de realizar programas domiciliares de treinamento muscular inspiratório, segundo o estudo de Ferreira et al. [41], que demonstrou ser seguro e resultou na melhora da capacidade vital forçada e ventilação voluntária máxima, embora seus benefícios clínicos não sejam evidentes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise destes estudos revelou que a atenção ao paciente no período pré-operatório, informação sobre as restrições pós-cirúrgicas, técnicas de transferência cama/cadeira, e a importância dos exercícios respiratórios e físicos aceleram o processo de recuperação pós-operatória.
Como visto, muitos pacientes apresentam distúrbios ventilatórios basais, os quais, associados à ansiedade e à dor, devido ao procedimento cirúrgico, induzem alterações no ritmo e no padrão respiratório. Somando-se as restrições pós-cirúrgicas, a ineficácia da tosse tem influência negativa no quadro respiratório do paciente.
No entanto, na prática clínica existem controvérsias a respeito das técnicas, tornando difícil a decisão sobre qual recurso seria mais útil e menos dispendioso no manejo destes pacientes. Diversos estudos demonstraram a eficácia de exercícios respiratórios, com e sem a utilização de dispositivos, quando comparados aos grupos que não realizaram exercícios.
No que diz respeito à fisioterapia respiratória, cada vez mais requisitada, cabe ao profissional verificar a necessidade do paciente e a disponibilidade de recursos e dispositivos, ponderando a individualidade de cada paciente para realização dos exercícios respiratórios, como foi visto, diferentes técnicas possuem resultados similares.
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Autores:
Regina Coeli Vasques de MirandaI; Susimary Aparecida Trevizan PadullaI; Carolina Rodrigues BortolattoII
IDoutora; Professora-assistente da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista (UNESP) Júlio de Mesquita Filho - Campus de Presidente Prudente, Presidente Prudente, SP, Brasil
IIGraduação em Fisioterapia; Especializanda em fisioterapia hospitalar pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista (UNESP) Júlio de Mesquita Filho - Campus de Presidente Prudente, Presidente Prudente, SP, Brasil
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