Treinamento físico para cardiopatas infartados e não-infartados

Entre as doenças do coração a mais incidente e representativa como problema de saúde pública é a doença arterial coronariana (DAC). Caracterizada por uma obstrução nos vasos que irrigam o coração (artérias coronária), a DAC é resultante de um componente genético e também da presença dos chamados fatores de risco como obesidade, hipertensão, diabetes e sedentarismo, etc. Geralmente esta doença se manifesta a partir da combinação desses componentes e sua principal consequência é o infarto. Com base nas evidências de uma contribuição importante do sedentarismo para o desenvolvimento da DAC, a prática regular de exercícios passou a ser amplamente recomendada como parte integrante do seu tratamento, podendo ser utilizada desde o ambiente hospitalar até as academias.

Para aqueles que já passaram por um infarto ou período de internação, o treinamento físico iniciado ainda no ambiente hospitalar com exercícios no leito e outras mobilizações, visando principalmente a recuperação da força muscular, reduz o tempo de hospitalização, a incidência de re-infarto e re-internações e a presença de sintomas. Nesta fase considera-se como boa adaptação ao treinamento aquela que leva o indivíduo a retomar a sua independência para a realização de tarefas simples como ir ao banheiro e se deslocar livremente sem ajuda. Para os que têm diagnóstico de DAC mas não apresentam sintomas significativos, ou para aqueles que estão em um período pós-infarto superior a três meses, os principais objetivos devem ser, além de melhorar a condição física, modificar outros problemas que frequentemente estão associados à DAC, entre eles: hipertensão, obesidade e colesterol alterado. Independente no nível de comprometimento, a proposta do treinamento físico para esses grupos é produzir modificações orgânicas que levem o indivíduo a melhorar sua capacidade de realizar suas tarefas do dia-a-dia com maior facilidade e sem sobrecarregar o coração.

Apesar de o treinamento físico proporcionar benefícios expressivos aos cardiopatas, existe o risco de acometimentos durante o exercício que é aumentado pela presença da doença. Esse aumento de risco, no entanto não leva a uma maior incidência desses acometimentos em programas de exercício supervisionado. Ao contrário do que se possa imaginar, os casos de acometimentos não-fatais e fatais são muito pouco frequentes nesse tipo de programa. Isso se deve ao chamado efeito cardio-protetor gerado pelas adaptações ao treinamento físico. Além disso, mesmo com limitações o sistema cardiovascular pode adaptar-se de forma adequada à demanda gerada agudamente por uma sessão de exercício. Contudo, o nível de comprometimento da doença e as características de um dado exercício podem aumentar o risco para o praticante, o que torna desaconselhável as recomendações generalizadas e sem nenhum tipo de controle para os cardiopatas. Assim, a abordagem individualizada na prescrição de exercícios ganha um significado especial e deve envolver medidas que permitam o estabelecimento bem claro de limites de intensidade e formas de controle para que a prática seja mantida dentro desses limites. Para a identificação dos limites em cada caso uma primeira medida importante é a realização de um teste ergométrico máximo que permite, além da determinação da capacidade física, a verificação de possíveis problemas gerados pelo exercício. Nos casos em que haja sintomas como dores no peito ou alterações eletrocardiográficas sugestivas durante o teste, isto não restringirá necessariamente a prática do exercício, mas torna necessário que se conheça especificamente em que nível de esforço os problemas começam a acontecer para que durante as sessões o exercício seja mantido em níveis de intensidade seguros. Ao se prescrever exercícios para cardiopatas, dois aspectos têm importância destacada: o tipo e a intensidade do exercício, sobretudo no que se refere à segurança. Os exercícios aeróbios proporcionam importantes melhoras cardiovasculares com baixo risco quando realizados em intensidades leves a moderadas (60-85% da frequência cardíaca máxima). Poderão ser utilizados exercícios de caminhada, corrida, ciclismo indoor e outdoor, etc. Em casos que requeiram um controle mais específico, os exercícios na água devem ser evitados pela dificuldade na identificação de sintomas e obtenção de medidas como frequência cardíaca e pressão arterial. O uso de exercícios com peso (musculação, pesos livres, etc.), também é recomendável para cardiopatas, principalmente por sua contribuição para o aumento da força muscular e para uma maior capacidade de realização de esforço físico sem sintomas e desconfortos. A maior preocupação com esses exercícios tem sido o controle durante a sua realização em função desse controle ser dificultado pelas características desses exercícios e também pelo impacto que uma manipulação inadequada de cargas pode gerar sobre o sistema cardiovascular, levando a aumentos demasiados de pressão e frequência cardíaca, ambos representativos de sobrecarga para o coração. Desta forma, as intensidades que contribuem com efetividade e baixo risco para o cardiopata estão entre 40 e 70% da contração voluntária máxima sem fadiga excessiva, ou seja, um trabalho que não priorize o desenvolvimento de hipertrofia muscular.

Portanto, o treinamento físico tem um papel relevante no tratamento para os cardiopatas, em especial para aqueles com DAC e, tomados os cuidados específicos necessários devem ser incorporados como rotina por esses indivíduos, preferencialmente em programas de exercícios supervisionados.

Márcio Oliveira de Souza/SP - Especialista em Fisiologia do Exercício pela Escola Paulista de Medicina. Mestre em Biodinâmica do Movimento Humano pela USP. Membro da Diretoria do Departamento de Educação Física da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo.



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